quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ao mundo, minha última carta

written by Larissa Rainey at 18:43


E aqui estou, presa entre essas quatro paredes acinzentadas. O contato com o mundo exterior já deixou de ser realidade há muito tempo. A carcerária colocou uma mesa, uma cadeira, papéis em branco e uma caneta na cela. Pediu que eu escrevesse minhas últimas palavras a um ente querido. Sim, possuo entes - queridos, nem tanto.
Resolvo então escrever para o mundo, pois foi ele que me criou e me moldou. A criatura obscura que hoje sou, foram vocês que criaram. Eu fui a vítima infeliz de uma combinação cruel do destino. Mas pararei de acusá-los e contarei minha história do modo que realmente aconteceu.
Feliz eu era, com uma vida simples e sem muita agitação. Casei-me com um contador comum, que tinha um emprego estável numa empresa estável. Eu ocupava minhas horas dando aulas de matemática para jovens que não se importavam. Não tínhamos filhos, mas estes estavam sempre em nossos planos.
Como vocês podem imaginar, algo ocorreu para que esta paz fosse perturbada. O casarão ao lado da minha casa fora posto a venda, e logo compradores apareceram e se tornaram os novos proprietários. O que eu nunca poderia imaginar era que Vivian tinha comprado a casa e se tornado minha vizinha.
Para não voltar mais ainda no tempo, darei-lhes uma simples definição de quem Vivian era: uma mentirosa mesquinha e sem escrúpulos, que arruinara a minha infância. Ela era a típica menina malvada, que inventava histórias sobre outras meninas e jogava uma amiga contra a outra. E ela se divertia. O que ela não esperava é que um menino apaixonado por ela, o infeliz Edmund, fosse acatar a sua ordem macabra. Vivian era a luz dos olhos de Edmund, e ele faria tudo para tê-la: inclusive romper a pureza de uma inocente e triste colega de classe. Obviamente, essa colega era eu, e fui obrigada a sentir as mãos sujas de Edmund me empurrando em um beco escura e invadindo cada pedaço do meu corpo.
Tê-la como vizinha agora que a escuridão tinha finalmente se dissipado era algo que eu não poderia tolerar. E Vivian bater em minha porta como se fossemos amigas, eu não toleraria. Ela havia se casado com um belíssimo advogado, e eles viviam elegantemente. Eles tinham três lindos filhos, todos loiros e de olhos azuis. A família perfeita, a família que seria utilizada para uma propaganda de margarina.
Virei-me para meu marido, um belo dia, e anunciei que faria um jantar para Vivian e sua linda família. Ele, como se pressentisse algo errado e psicótico em minha idéia, perguntou se eu realmente queria aquilo. Ele sabia de toda a história, naturalmente. Eu afirmei, dizendo que o que estava no passado morrera no passado.
Essa é a mentira mais velha do mundo. A memória e o meu corpo nunca poderia fazer com que eu esquecesse o que Vivian e Edmund fizeram. E se ela tivesse esquecido do que fizera, eu a lembraria do modo mais doloroso que eu conseguiria.
Fiz uma deliciosa torta de frango com catupiry para minhas visitas queridas. A sobremesa, um maravilhoso creme de abacaxi. Vivian dissera que nunca esqueceria daquele jantar supremo. Eu ri comigo mesma. Não, ela nunca esqueceria. Levei Vivian e sua família para conhecer a casa. Levei-os até o meu quarto e lá os tranquei. Meu marido olhou para mim, exasperado, e tentou a todo custo pegar as chaves do quarto de mim. Mas eu colocara algo especial na bebida dele, de modo que logo ele caiu no sono eterno. Aliás, fazia parte da minha estratégia eliminar os maridos primeiros, pois eles poderiam me deter com sua força natural. Logo, quando voltei ao quarto, o marido de Vivian também encontrava-se morto.
Vivian olhou para meus olhos, implorando por perdão e misericórdia. Ela teve alguma misericórdia minha? Resposta negativa. Retribui aquele olhar desesperado, e me senti o ser mais poderoso que já habitou esta terra. Eu reduziria aquela família a poeira, do mesmo jeito que ela havia feito com minha infância. Eu queria a minha inocência de volta, e eu a teria.
Queimei um pouco a pele do mais velho. Depois atirei nele, para que parasse de gemer feito como uma menininha. A menina do meio era muito mais valente, e tentou tirar a arma da minha mão. Mas não conseguiu, e novamente eu usei a arma para calá-la. É necessário destacar que eu havia amarrado todos. A mais nova, eu queimei. Lentamente. O meu ódio caiu sobre ela, terrivelmente. Quando percebi que ela havia morrido, fiquei assustada com a minha própria monstruosidade. Vivian não mais gritava, e a cena mais aterrorizante que vi foi ela roubando a arma de minha mão e atirando em si mesma. Suas últimas palavras foram: "A menina destruiu a vida da mulher... irônico, não?"
Preparei então minha fuga. Levei o corpo de meu marido até o fatídico quarto, e a seu lado coloquei uma carta, na qual ele assumia toda a culpa pelo acontecido e depois teria se matado, com veneno. Eu iria até a polícia, em desespero. E fui. Cortei uma cebola, para que seu cheiro forte me levasse as lágrimas, despenteei meu cabelo e infligi-me algumas queimaduras, e corri ao encontro da polícia.
Mas eu fora traída. A menina mais nova levava consigo um inútil, desprezível, tolo e odiável coelho de pelúcia... Um daqueles que, quando você aperta sua barriga, ele grava uma mensagem, e ao apertá-lo novamente, ele repete a mensagem. O policial apertou a barriga daquele coelho infeliz uma única vez... O que foi o suficiente para me incriminar. Ria a vontade, eu fora denunciada por um coelho de pelúcia. Eu fui para a cadeira rindo, já me despedindo de qualquer sanidade.
Esta é a minha carta para o mundo. E o meu conselho, a minha prova de arrependimento, resume-se em uma única frase: Se você estiver cometendo um assassinato, livre-se do coelho.

2 comentários.:

Sofia on 25 de agosto de 2010 às 19:05 disse...

Haha, muito bom! Ri horrores com o final, adoro esse tom irônico que você usa :)

The thousand F's and the 2 L's on 25 de agosto de 2010 às 21:12 disse...

Adoro quando botam meu nome e afins em uma desprezível da história. Valeu.

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