sábado, 2 de março de 2013

#14 - E de tanto ficar bolada, virou uma bola

written by Larissa Rainey at 01:46
She upset the weather by sameoddstory

Raíssa era uma menina bonitinha. Não saía de casa sem corretivo, delineador e rímel - pra "não ficar com cara de morta". Não gostava de colares porque eles incomodavam no calor. Gostava de rosa, de renda e de  brilho. Mas também gostava de preto, couro e meia-calça. Não que isso seja importante para a construção do caráter dela. São apenas informações pequenas, dessas que a gente guarda no coração pra quando precisar.
A Raíssa tinha só um problema - ela se preocupava demais. Com o cabelo, com as olheiras, com as unhas, com o trabalho, com a faculdade, com os pais, com os amigos, com a falta de amor, com o fato de ela achar que falta amor, com o futuro, com a sociedade, com o universo. Pense em qualquer coisa que tece esse mundo e provavelmente a Raíssa já se preocupou com essa coisa. Nem ela entendia porque vivia tão preocupada, tão alerta, tão desconfiada. Ela mal se lembra dos dias despreocupados. Não tem um dia que ela respira fundo antes de dormir e se deixa levar pelo sono. 
Mas a Raíssa sabe esconder bem essas preocupações. Vive distraída, caindo pelos cantos - literalmente, lutando para sobreviver no próprio mar. Dá uma risadinha ali, outra aqui, tá tudo bem. Vê um filme, um episódio, ouve  algumas músicas,  conversa um pouco. Tá tudo bem agora, tá tudo sob controle. Se nada der certo, vai ler algum livro. 
A Raíssa não é uma lindinha? Olha só, que menina bonita. Quer dizer,  ela nem é essa coca-cola toda. Ela se acha bem superestimada, pra falar a verdade. Taí outra coisa que a preocupa constantemente: alguém achar que ela é só bonita. Se alguém achar que ela é incapaz de fazer alguma coisa ou que não é inteligente o suficiente, aí ela pira. "Me chama de gorda, de feia e de ridícula mas não me chama de burra", ela me disse uma  vez. Mas ela não se acha tão inteligente assim, e ela morre por dentro sempre que se lembra disso.
A Raíssa tá sempre morrendo. Sempre bolada, sempre pensativa. Todo dia trocam a ervilha dos colchões dela. E de tanto ficar assim bolada, preocupada e quieta, a Raíssa virou uma bola. Ela vai rolando pelo gramado, incerta e confusa. De cá pra lá, ali e aqui, em todos os lugares e em lugar nenhum. Quanto mais ela rola, mais bolada ela fica.
Mas a Raíssa continua rolando, porque é o que tem pra hoje.





1 comentários.:

Aline Schneider on 2 de março de 2013 às 16:45 disse...

É o que tem pra hoje mesmo.

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