segunda-feira, 11 de julho de 2011

A neta do sr. Ricardo

written by Larissa Rainey at 19:29
Meu avô faleceu neste domingo, às cinco da manhã.
Não era exatamente uma novidade, porque seu caso piorou de sexta pra sábado. Fora as outras batalhas que ele vem enfrentando há dezoito anos atrás. Ele se foi, e finalmente teve seu descanso.
Meu avô sempre foi um homem trabalhador, que teve uma vida muito difícil no interior. Veio pra São Paulo, criou seus cinco filhos da melhor maneira que pôde. Ele foi um pai rígido e não era do tipo que expressava seus sentimentos - e meu pai carrega muito dele em si.
Nunca fui muito próxima dele, principalmente por causa da minha vó que nunca gostou de visitas em sua casa e muitas vezes tratava os próprios filhos, netos e noras mal.
Desde que nasci, aprendi que meu vô Ricardo era o "vô doente". O vô que "logo vai embora". Não sei quantas mil vezes meus tios ligaram para casa falando que ele tinha adoecido. Não sei quantas vezes minha mãe olhou em meus olhos e falou que meu avô não tinha muito mais tempo de vida.
Mas meu vô era uma fênix e sobreviveu a muita coisa. Sobreviveu a seu câncer de pulmão, de pele, no nariz, um fêmur fraturado, entre outras coisas.
No Natal do ano passado, meu avô mal participou do amigo secreto. Não levantou muito, não comeu e ficou a maior parte do tempo na sala assistindo TV. E recusou a participar do Ano Novo que seria em casa. Ele sabia que ia morrer esse ano, e ele pedia para morrer. Isso estava evidente a cada dia que se passava - pelo menos para as pessoas que conviviam com ele sempre, o que não é meu caso...
Aliás, isso é o que me entristece mais. Saber que por causa de fofoca, intriga, mentira, egoísmo e, falando em latim claro, filha da putagem, eu fui excluída do convívio frequente do meu avô. E eu tenho minha boa parcela de culpa, porque eu deveria ter insistido. Mas não quero pensar nisso, pois isso já passou e todas as vezes que vi meu avô eu fui amorosa com ele.
Sábado, eu acordei com uma ligação da minha mãe, avisando que ele havia falecido e que eu deveria tomar banho e me preparar para o velório. E eu me pergunto, como diabos uma pessoa se prepara para um velório? Por mais que eu já soubesse que meu avô iria partir logo, a confirmação disso é extremamente dolorosa. Você nunca mais vai ver aquela determinada pessoa. Acabou. O que você já fez por ela está feito e não pode ser desfeito. Agora você só terá memórias e fotos.
Quando eu vi o corpo do meu avô, eu simplesmente abracei minha mãe e comecei a chorar. Não tem o que escrever sobre esse sentimento - ou não sou talentosa o suficiente para traduzir essa sensação. Quando eu vi o corpo do meu avô, eu vi aquela pessoa que não iria mais retornar, eu vi o quanto nossa vida é frágil.
E então minha avó chegou ao velório. Deu pra ouvir de longe que ela já estava lá, pois ela gritava e chorava desesperadamente. Eu conheço aquele choro. Já chorei daquele jeito, mas por motivos claramente diferentes. Os dois motivos são dolorosos em níveis diferentes mas eles não excluem a dor. Eu nunca me senti tão conectada com a minha vó do que naquele momento. Ela gritava que era um dia triste, e realmente era. Quem não havia chorado ainda começou a chorar, e eu vi meus tios e meu pai ajudando minha avó e consolando-a. Fui abraçar minha avó, e ela nunca me abraçou daquele jeito. Foi um abraço desesperado de uma mulher egoísta que finalmente percebeu que as pessoas vão embora. Foi um abraço desesperado de uma mulher que não entende porque ela é do jeito que é... exatamente como eu. Eu olhei nos olhos dela e disse que ia ficar tudo bem, e ela olhou nos meus olhos. Acho que foi a primeira vez em dezenove anos que a minha vó me viu, que eu deixei de ser "a filha do Ademir" e me viu como Larissa, neta dela, que muitas vezes ela negligenciou e não fez questão de ver mas que estava lá ajudando-a porque as duas tinham mais em comum do que podiam imaginar. Minha vó agradeceu, e eu deixei que outras pessoas a consolassem. Não falei mais com a minha vó depois desse momento e acho que qualquer palavra depois disso seria desnecessária.
Outro momento poderoso foi quando saí da sala do velório e vi o meu outro vô (que agora pertence a categoria de único vô). Novamente, olhei nos olhos dele e pedi que ele se cuidasse para que não me abandonasse tão cedo. Sou muito mais apegada com a família da minha mãe, e os meus melhores momentos da infância foram passados ao lado dos meus avôs maternos. Quando meu avô teve infarto, uma parte do meu coração quase morreu. Meu avô disse que ia se cuidar. E é melhor cumprir a palavra dele.
Fui dormir na casa do meu avô, e depois de manhã fui ao enterro. A noite foi um pouco mais animada (por culpa do vinho) mas ainda teve aquele gosto de morte e saudades.
O enterro foi difícil. Os gritos e as lágrimas da minha vó foram a coisa que mais me chocou, para ser franca. E agora meu avô está descansando e espero que seja em paz. Ele merece paz.
A morte fez uma coisa engraçada comigo. Eu fiquei imaginando como seria o meu enterro, e como isso afetaria as pessoas. Já pensei em acabar com tudo inúmeras vezes, pensando que eu não era boa o suficiente, que minha vida não valia nada, que ninguém sentiria minha falta. Mas essa experiência só provou o contrário. E eu não suportaria ver a minha mãe berrando o meu nome no meio do cemitério como minha avó berrou o nome do meu avô. Não suportaria pensar no meu pai pensando nos detalhes do funeral e da lápide. Não suportaria ver meus amigos chegando numa sala estranha de velório para olhar o meu corpo sem vida. Não suportaria ver ninguém escrevendo num blog que quase ninguém lê sobre a minha morte, deprimidos e tristes porque eu causei aquilo a mim mesma. E isso me faz lutar, me faz querer viver ao máximo porque quando eu morrer (o que espero que demore bastante), quero que as pessoas digam que eu fui uma pessoa que tinha absolutamente tudo para desistir mas lutou até o último instante. Quero que alguém diga que eu fiz a diferença em suas vidas, e que apesar das minhas inúmeras falhas eu nunca-desisti-de-lutar.
Porque eu sou a neta do Ricardo, e meu avô aguentou muito sofrimento. Se ele aguentou, eu também irei de aguentar.

6 comentários.:

The thousand F's and the 2 L's on 11 de julho de 2011 às 19:47 disse...

A mágica da vida é justamente a presença de sentimentos. Eles são o que te tornam alguém mais humana e experiências como esta podem até ser dolorosas, mas são lições de vida. E é assim que nós continuamos o nosso caminho, rindo e chorando com as pequenas coisas que nos tornam quem somos. E eu fico feliz em me sentir triste por você e por chorar lendo esse post. Não porque eu me lembrei de algo parecido que me fez chorar, mas porque você entregou seu coração de tal forma que me fez sentir o que você passou. Esse aperto de não poder fazer mais nada por ele.
Mas você ainda pode fazer por outros. E eu posso fazer por você. Então, se tem um conselho que eu posso te dar é que nós somos aquilo que escolhemos. Nós somos diferentes que partilham semelhanças. E se nós rimos com outro, é porque nos identificamos em algo com esse outro e podemos aprender com ele.
Você, ruiva, faria e fará muita falta.
Te amo.

Capitão Holtz on 11 de julho de 2011 às 19:52 disse...

Eu não vou oferecer condolências, porque isso implicaria em dizer que:
a) eu te conheço suficientemente bem para sinceramente oferecer isso;
b) eu considero a sua perda um fato triste.

Embora eu não tenha dúvida alguma de que a sua perda te causou muita dor, eu posso dizer que a passagem para o outro lado nunca deve ser vista como algo ruim, porque não é. A roda girou para o seu avô, e foi a vez dele existir de outra forma, em outro lugar e com outro propósito. E pensar assim é, na minha opinião, imensamente encorajador; a vida não acaba com o sono do corpo.

Mas o que eu posso te oferecer além de um comentário bobo é a segurança do Capitão: eu te considero um membro do meu navio, e cuidar da minha tripulação é meu dever. Eu não tive uma oportunidade pra te dizer o quanto te acho talentosa, comprometida com seus amigos e com as coisas que você acredita, e mesmo que ainda não tenhamos uma amizade especialmente desenvolvida, eu tenho sim uma admiração enorme por você. Você veio para cá para ser ruiva, sabe...- Isso só pode significar algo muito, muito bom.

Caso não haja muito além que eu possa fazer por você, lembra daquele CD que chegou na sua casa um belo dia, e ouve com atenção a letra da primeira peça. É honestamente a mensagem mais poderosa que eu posso transmitir.

Se cuida, marinheira.

Manuel Angelo disse...

Sei bem como sua vó se sentiu, sei bem como você se sentiu. Imagino como você deve ter pensado nisso tudo. Seu olhar é totalmente diferente, você acaba tendo uma nova experiência que, de certo modo, te fazem ter uma experiência nova. Dolorosa, porém nova e que te faz pensar em muitas coisas. Alguns pensamentos são bons, outros não. Fico feliz que seus pensamentos tenham sido "bons", por mais que a situação seja ruim. Afinal, foram eles que te deram forças agora.
Espero que você possa viver muitos anos e que possa sempre ter forças para seguir em frente como seu avô fez: lutou até o fim. Foi forte e resistiu a tudo. Por sinal, quero te acompanhar nesse crescimento, nas lutas que você enfrentará. Quero estar ao seu lado e entrar na luta com você. Quero sempre mesmo ser seu amigo e lutar ao seu lado sem-pre.
Quero que saiba também que você faria muita falta em minha vida. Você é uma amiga que amo demais e quero ver sempre feliz. Quero que fique sempre bem e feliz. Quero fazer o que puder pra fazer você crescer, fazer você ser forte. Quero te acompanhar pra sempre.
Te amo muito, Larissa, saiba disso. Sempre que precisar, estarei aqui para o que der e vier. Cuide-se!

Luiza Dionisio disse...

Larissa, primeiramente, meus pêsames.
Sei como a vida parece muito frágil quando perdemos um ente querido.
Mas tenhas forças, seja forte.
Já perdi alguns amigos meus, e eu não quero que você se inclua na lista.
Sem você, discutir sobre Johnnhy Depp seria muito chato, sem você... putz, Lari! Sem você a vida não seria a mesma!
Por isso, forças, amiga! Te amo muito e quero te ver feliz... afinal, a dor sempre passa. De um jeito ou de outro.
Cuide-se bem!
Amo-te demais, Laricota! ♥

Amanda on 11 de julho de 2011 às 21:40 disse...

Também perdi uma pessoa muito importante na minha vida semana passada, Rainey. Eu estava perdida e não sabia o que pensar sobre isso - ainda - e seu texto me confortou muito. Então, obrigada.
O mínimo que podemos fazer por pessoas queridas que vão embora é viver bem, não acha? Tente usar a morte com aliada: sua vida será muito mais vivida.
Beijo beijo.

Nanda Northman disse...

Lari colega de VALEX, zapeando pela net vi seus textos e esse me chamou a atenção. Achei tocante. Tb já passei por essa experiencia. Tb ja tive esse sentimento de querer desistir de tdo. E só qdo conhecemos a morte próxima entendemos o qto vale a vida. Parabens pelo texto, e força na peruca girl q temos mto a viver ainda! Bj

Postar um comentário

 

Larissa Rainey Copyright © 2012 Design by Antonia Sundrani Vinte e poucos