quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Desperata

written by Larissa Rainey at 12:19
 
Saiu correndo no mesmo instante que percebeu que estava sendo sufocada. Aquele cheiro intoxicante que provinha dos arranjos, que estavam perfeitamente alternados entre os vários bancos da igreja. Segurava a saia do vestido, para que ela pudesse correr melhor; o que de fato não adiantou muito, pois a cauda de três metros mais o sapato de salto agulha não eram os melhores apetrechos para uma fuga repentina. Num gesto significativo, arrancou sem cerimônia o colar de pérolas de três gerações atrás. Aquilo a sufocava. Tudo ali naquela igreja a sufocava. O vestido enorme e cheio de enfeites, o cheiro das flores dos arranjos e do buquê, os olhares preocupados e inconformado da família, o grito desesperado dele - NÃAAO!
Mas ela não podia permanecer mais ali, ela não pertencia àquele lugar, àquela família. As lágrimas tornaram-se sua nova máscara durante sua fuga. Ela ouvia os cochichos e o burburinho que se instalava: "Como ela pôde fazer isso? Que absurdo"... E quando estava a um passo de sair da igreja e se libertar do pesadelo, algo a incomodou. Virou para o outro lado e voltou para o altar, o rosto quente e vermelho marcado pelas lágrimas e agora por uma sensação antes desconhecida. Cada passo era como uma estaca que se prendia ao chão. Cada passo daquela noiva outrora linda era agora como a batida de um martelo. Segurava a saia do vestido com as mãos trêmulas.
Ao chegar perto, ele veio abraçá-la, mas repudiou totalmente o seu toque. Ela o empurrou e ele, desconcertado pela humilhação, ficara calado. Ela foi até o altar, manipulada pelo próprio ódio, e permanecia intocável. Todos que tentavam segurá-la eram impedidos pela força mágica de sua raiva. Olhou para o padre significativamente e este a cedeu o microfone.

Não era a Morte, pois eu estava de pé

E todos os Mortos estão deitados –

Não era a Noite, pois todos os Sinos,

De Língua ao vento, tocavam ao Meio-Dia.

Não era a Geada, pois na minha Carne

Sentia Sirocos – rastejarem –

Nem Fogo – pois só por si os meus pés de Mármore

Podiam manter frio um Presbitério –

E contudo sabia a tudo isso ao mesmo tempo;

As Figuras que eu vi,

Preparadas para o Funeral,

Faziam-me lembrar a minha –

Como se me tivessem cortado a vida

E feito à medida de moldura,

E eu não pudesse respirar sem chave,

E foi um pouco como a Meia-Noite –

Quando todos os relógios – pararam –

E o Espaço olha à volta –

Ou Terríveis geadas – nas primeiras manhãs de Outono,

Revogam o Palpitante Solo –

Mas foi sobretudo com o Caos – frio – Sem-Fim –

Sem Ensejo nem Mastro –

Nem mesmo Novas de Terra -.

A justificar – o Desespero.*



Enquanto todos estavam petrificados com tais palavras, ela voltou a andar calmamente pelo corredor da igreja. Seus pés não tinham mais o peso do martelo ou da estaca. Flutuava, com suas saias e caudas. Flutuava em sua resplandecência de noiva.
Fora para casa, leve como o vento. Não tinha consciência da loucura que havia cometido.

Ele era seu príncipe, e ela era a princesa. Mas ela não era uma princesa como outra qualquer. Ela era trágica, vingativa, cheia de ódio, impura, a própria Pandora.

Mas toda a sua impureza era dissolvida na água quente que também dissolvia seu corpo frio....



*Poema de Emily Dickinson.

**Escrito em 26 de julho de 2009. 

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