terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sobre expectativas e papéis na sociedade

written by Larissa Rainey at 16:45

Eu já falei sobre isso a um tempinho atrás, bem no início do blog. Mas decidi retomar este assunto, com uma mente um pouco mais madura e crítica.
Enquanto eu estava assistindo TV, de olho machucado, inchado e dolorido, parei para prestar atenção nas propagandas de brinquedos infantis. A diferença entre os brinquedos feitos para as meninas e os brinquedos para os meninos é assustadora. Fiquei surpresa ao ver um comercial com uma menina de no máximo 10 anos carregando uma boneca no colo e se autoproclamando mamãe. Colocam na cabeça de toda menina, desde sempre, que um dia ela terá filhos e que ela será mamãe e cuidará da casa. Também colocam na nossa cabeça que devemos estar sempre lindas e impecáveis. Que devemos aspirar à realeza. 
Já os meninos... eles precisam ser másculos. Altos, fortes, prontos para salvar o mundo em qualquer circunstância. Os meninos podem correr em carros velozes, bater nos vilões, escalar prédios e no final, ainda ganham a mocinha.
E existe um problema nisso tudo. Claro que brincadeiras infantis são brincadeiras, mas não acho que devemos levar isso tão inocentemente. Se desde criança não nos identificamos com um dos estereótipos oferecidos, começa aí um problema de aceitação que se não for solucionado da maneira mais indolor possível, criará um adulto que não se entende, não se encaixa e se culpa a todo instante.

Vou usar a minha experiência como exemplo.
Quando eu era pequena, o estereótipo da menina que quer sempre estar bonita funcionava. Eu era facilmente manipulável pela minha família, sempre amei a fantasia de "ser uma princesa" e eu era uma criança cativante. Entretanto, quando entrei na pré-adolescência, isso mudou. O estereótipo de menina convencional passou a não me interessar mais. Eu buscava outras coisas; meu amor por cinema e por livros, minha falta de atrativos físicos (honestamente, eu era HORRÍVEL com 12 anos) e minha recém-adquirida timidez fez com que eu me sentisse cada vez mais deslocada. As pessoas ao meu redor não entendiam a mudança, e eu não entendia minha própria mudança. Esperavam uma pré-adolescente que começasse a se envaidecer cada vez mais, que começasse a se interessar por namoros, que começasse a ouvir as  músicas do momento. Encontraram uma adolescente que se interessava mais por ler um bom livro do que a fofocar sobre garotos. Não estou dizendo que eu era melhor que as outras meninas - não creio que ler algumas páginas a mais faça alguém melhor que o outro. Mas eu era fora do padrão e não correspondia às expectativas. Claro que nem sempre as pessoas são legais e vão dizer que estar fora do padrão é "normal" e não é um problema. Pelo contrário. Quando você sai do padrão, as pessoas te olham estranho. Quando você prefere preto ao invés de cor de rosa, você é maluca. Você é problemática. Que ousadia! Hoje eu sou quase madura o suficiente para entender que é perfeitamente normal não fazer parte do padrão. Não tem problema ser diferente. E também não tem problema estar dentro do padrão.
O problema é: por que nos agarramos tanto aos padrões? Por que é tão necessário colocar dentro da cabeça de cada criança que a menina usa rosa e o menino usa azul? Por que ainda utilizamos esse modelo antiquado para criar nossos filhos? Não seria uma alternativa melhor explicar que as cores são para todas as pessoas, e que um menino usar cor de rosa não o faz menos menino? Não seria melhor explicar que qualquer um pode cozinhar e cuidar dos filhos - não só as mulheres? Nossa sociedade não ficaria um pouco menos idiota e um pouco mais evoluída se as meninas também pudessem correr e escalar prédios em suas brincadeiras? 
Não é de espantar que existam tantas pessoas frustradas atualmente. Tantas mulheres passam a vida inteira com o pensamento fixo de que se casarão e terão filhos que quando não conseguem maridos ou bebês, casam-se com o primeiro que veem pela frente. Em casamentos frustrados, com filhos que são fruto de uma frustração desnecessária. E quando percebem, o que pensavam que lhes traria tanta felicidade, trouxe apenas desapontamento. A mesma coisa acontece com os homens. A vida inteira, colocam na cabeça de vários meninos que eles precisam ser másculos, fortes, viris, com empregos de sucesso. E quando alguma dessas coisas falham... a mesma frustração acontece.
Outro exemplo importante de como os papéis que a sociedade impõe a cada sexo são cada vez mais retrógrados, é durante a descoberta sexual. Quantas vezes já não ouvimos um futuro pai dizer que se o bebê  for menino, vai ajudar a escolher as garotas; e se for uma menina, vai espantar os garotos da porta de casa? Já parou para pensar como ensinar todas as meninas a se guardarem e preservarem, e aos meninos ensinam quase o oposto? Se uma mulher jovem tem muitos parceiros sexuais, ela é a piranha, puta, vadia, vagabunda, fácil, biscate... e se um homem jovem tem várias parceiras, ele pode alcançar um alto status entre seus amigos e apenas algumas pessoas pensarão que ele é "galinha" ou "mulherengo" e verão isso como algo ruim. É muito mais fácil estigmatizar uma mulher por sua vida sexual do que um homem, e por quê? Porque a sociedade ainda ensina que é normal para o homem ter várias parceiras, mas a mulher não. A mulher deve prender-se no fazer amor enquanto o homem pode exercitar o ato sexual muito mais livremente. Mais um exemplo de como isso acontece - e não estou falando levianamente, já escutei essas conversas acontecendo. Uma conhecida minha foi traída pelo marido. Logo ouvi comentários maldosos sobre a conhecida, falando que "ela tinha engordado", "que homem vai querer aquilo", "ela não cuida dele", "ela não é vaidosa" e a máxima: "homem tem as suas necessidades, né". Enquanto isso, fiquei sabendo de um caso em que a mulher traiu o marido. Ouvi comentários como "nossa, que piranha", "esse mundo está perdido", "essa mulherada não fica feliz nem com o que tem em casa". Ninguém, em momento algum, mencionou desleixo por falta do marido nem as tais necessidades da mulher.
Não estou dizendo que traição é certa - não é esse o objetivo do post - apenas estou dizendo que, nos dois casos de traição, a mulher levou a culpa. Claro que não são todos que pensam desta maneira - mas creio que boa parte da sociedade atual ainda pensa desta maneira. Os homens têm necessidades... e as pessoas falam isso como se as mulheres também não tivessem as suas necessidades.
Mas as coisas não pesam apenas para o lado das mulheres. As imposições da sociedade em cima do homem são igualmente pesadas - talvez não tão expressivas quanto a das mulheres. Ainda existe aquele velho estereótipo de que o homem deve ser sempre másculo, gostar de esportes e não ser sentimental. Como se homens não tivessem sentimentos e não se magoassem tanto quanto as mulheres - como se a eles não fosse permitida tal complexidade. Se um homem prefere fazer sexo apenas com mulheres que ele tem algum envolvimento sentimental, ele pode ser interpretado como um babaca, um idiota.
O que a sociedade teima em ignorar é que mesmo você sendo um homem ou uma mulher, você tem suas singularidades, preferências e experiências. E estas não deveriam ser influenciadas pelo sexo, e sim pela história de vida. Se devem mesmo ter expectativas, que elas surjam enquanto crescemos e mostramos nossa individualidade; e não porque espera-se um padrão correspondente ao nosso gênero.
Sim, muitas coisas mudaram, mas ainda há espaço para mudanças maiores e cada vez mais relevantes.


4 comentários.:

Raine on 20 de dezembro de 2011 às 16:59 disse...

Foi esse grande tradicionalismo de gêneros que sempre me confundiu durante a infância e adolescência (e até hoje).
Gender roles podem até ter algum nível de importância, mas eles enquadram os seres humanos em categorias muitas vezes irreais e incondizentes. Me identificar com o transsexualismo nunca vai deixar de ser visto como algo estranho, errado e provavelmente fruto de uma criação incompleta ou mal-feita. Vou fazer o quê né.

Raine on 20 de dezembro de 2011 às 17:03 disse...

O incrível é o quanto o lado emocional do homem é cortado logo na infância: somos ensinados a ser fortes, resolutos, impiedosos com tudo e escalar o nosso papel na sociedade, de protetores, provedores e criaturas-de-pedra. Enquanto isso, a mulher é permitida desenvolver o lado emocional que todo ser humano tem: ela pode chorar, ela pode dar vazão aos sentimentos de forma menos contida. Isso é uma das coisas que mais me causa tristeza, quando o assunto é papéis de gêneros.

Diego on 20 de dezembro de 2011 às 17:06 disse...

Tradicionalismo é a palavra como ja foi dito, machismo ainda é muito forte também.
A receita para uma "vida feliz" em cada gênero influencia em nossas escolhas e como você disse quem não se enquadra fica perdido e inseguro.

Parabéns pelo texto :)

The thousand F's and the 2 L's on 20 de dezembro de 2011 às 22:14 disse...

Parabéns, você é uma das alternativas a essa sociedade estereotipada, asism como eu e alguns de nossos amigos (talvez a maioria deles, já que os diferentes sempre se encontram). Mas estereótipos existem desde sempre e por isso o diferente sempre teve que lutar muito mais que os outros. Veja os hippies, as mulheres, os negros. Não é só o preconceito, é a discriminação o problema maior. Mas isso vai sempre existir. Seres humanos são por si próprios egoístas e pré-julgam todos que podem, mesmo inconscientemente. Mas nós, os diferentes, podemos ter nossos filhos e ensinar a eles, desde sempre, que o azul e o rosa são cores universais, que existe gente preta, gente branca, gente amarela, e que tem casais de homens com mulheres, homens com homens e mulheres com mulheres, afinal, o amor não possui barreiras. ;)

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