Eu trabalho de segunda a sexta, das oito da manhã até as oito da noite. O contrato diz que eu deveria sair às seis, mas nunca consigo sair antes das sete. Não sei bem ao certo o que faço, pra ser sincero. Meus dias são preenchidos com uma tela de computador suplicando por comandos meus. Digite isso, anexe aquilo, mande e-mails importantes, crie a próxima nova revolução, refaça tudo, salve, imprima, pesquise, colete dados essenciais, faça uma tabela com esses dados, faça parte de reuniões infindáveis nas quais se discutem todo o seu trabalho, apenas para concluir que tudo o que foi feito não é o suficiente. Fazer tudo o mais rápido possível para fazer a próxima tarefa. Creio que um andróide executa suas tarefas com mais paixão e ardor do que eu.
Se sou alguém importante? Não. Tenho crises de riso apenas em pensar que alguém possa me achar importante. Não passo de um consumidor desesperado, uma boca a ser alimentada, um homem que precisa assegurar ao mundo de que ele é másculo, bem informado, culto e refinado. Toda a minha imagem é construída a partir da necessidade de dizer a todos que sou único. Preciso dos vinhos mais caros, dos queijos mais refinados, do aparato tecnológico mais moderno. Levanto a minha bandeira com orgulho no peito, sorriso no rosto e óculos escuros para esconder o vazio dos meus olhos. Mas não tem problema. Sou desimportante, entretanto ocupado demais para exasperar-me com a minha condição. Meu Deus é o relógio e o Tempo é minha religião.
Não percebo as pessoas ao meu redor. Caminho a passos rápidos, segurando minha maleta de couro. Imagino o que pensam de mim enquanto ando pela rua. Provavelmente também não me percebem - sou qualquer um com um terno. Não levanto a cabeça para observar um casal de namorados entretidos em suas carícias, nem para sentir pena da garota sem atrativos físicos que parece chorar ao escrever qualquer porcaria em seu caderno barato. Essas pessoas não significam nada para mim.
Entretanto, não sou de todo um ser antisocial. Tenho uma relação amigável com a minha familia, tenho alguns amigos casuais - para os quais eu me exibo e me escondo. Eu namoro uma garota. Talvez eu tenha dado a ela um anel, mas ele não passa de uma joia. Eu mal toco a pobre mulher. Mas sei que ela é bonita - é o que disseram para mim. Eu sei que ela curte sapatos e bolsas e faço questão de agradá-la com presentes. Mas não é que eu repare no que ela use, e sim porque sei quais marcas ela curte no Facebook. Dois cliques, descubro os novos lançamentos e pronto. É fácil ser um namorado parcialmente atensioso. Não sei dizer que a amo - não sei nem se a amo e não sei o que é o amor. Mas caso ela precise que eu declare esse sentimento, busco frases que outros poetas escreveram para suas amadas. Cruzo os dedos, esperando que ela aceite essas declarações copiadas. Ela aceita. Respiro fundo e sorrio, pois sei que fiz um bom trabalho. E se algum dia nada disso for o suficiente, seremos livres um do outro e fim de história.
Estava lá eu, atravessando uma rua qualquer - smartphone em mãos, respondendo algum email. Senti um peso enorme em cima do meu corpo, e caí no chão. Olhei para os lados e vi uma garota com cabelos da cor do arco-íris caída a meu lado. Levantei-me, procurei em minha roupa algum sinal de sujeira. Tudo estava limpo como deveria estar. Continuei andando, até que a mesma garota berrou meu nome.
Ela era extremamente pálida, de olhos castanhos abertos e brilhantes. Alta e cheia de curvas, seu vestuário era todo preto e justo, salientando seu corpo. Mas seu real atrativo era justamente o cabelo longo, liso e brilhante, exibindo as sete cores do arco íris. Até aquele momento, jamais tinha visto aquela garota antes. Levantei uma sobrancelha ao ouvir meu nome saindo de sua boca.
"Desculpe, não te conheço", eu disse.
"E você conhece
alguém?", ela respondeu. Ela parecia extremamente furiosa - os pulsos fechados, a testa franzida. "Aposto que se seu coração parasse de bater, você não perceberia - como o grande imbecil que é."
Havia algo extremamente convidativo na voz dela - como se eu pudesse contar meus pensamentos mais secretos sem pensar duas vezes. E pela primeira vez, agi impulsivamente.
"Sim, eu sou um grande imbecil. Tão imbecil que mal consigo me incomodar com a minha própria imbecilidade. E ninguém ao meu redor nota isso. Você foi a primeira."
"Eu sou a fada madrinha da sua imbecilidade. Mas me diga, como você vai resolver isso?"
"A fada madrinha aqui é você."
"Se eu resolver tudo para você e consertar cada estupidez que você já cometeu, o problema não sumiria. Apenas se acumularia. Não existem soluções rápidas - a vida não é como o seu emprego. Você não pode apenas coletar todos os dados que te incomodam, colocá-los numa tabela, analisá-los e simplesmente resolvê-los. A vida não é uma fórmula matemática, daquelas que você tanto ama."
"Não conheço outro jeito."
Ela colocou seus braços ao redor da minha cintura, e disse enquanto olhava nos meus olhos:
"Olá, eu sou o outro jeito. E você vai me conhecer. Como vai conhecer outros jeitos. É apenas uma questão de caminhar, meu caro."
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Tá, eu comecei esse texto faz tempo mas não cheguei a terminar. Vou postar o resto amanhã, e como o texto ficou mais um conto do que uma crônica, começarei o meu
~Intensivo de 30 crônicas~ dia 07/12. O que é esse intensivo? 30 crônicas, uma por dia. E é VOCÊ, leitor, que vai me ajudar a escolher os assuntos :)
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